domingo, 27 de setembro de 2009

E-mail enganoso baseado em matéria antiga e mau atendimento detonam Saúde em São Paulo

Este texto é baseado em e-mail que circula pela Internet e reproduz conteúdo de matéria publicada em maio deste ano no Terra.

Hospital do Homem

O Governo do Estado de São Paulo investiu R$ 2 milhões na compra de equipamentos de ultrassom, urologia, litotripsia (que destrói o cálculo renal através de ondas de impacto)..
O Hospital do Homem ocupa uma área de 1,1 mil m².

A unidade reune especialidades médicas como andrologia, patologias da próstata e urologia, além dos núcleos de alta resultabilidade (check-up) e de ensino e pesquisa.

O departamento de patologias da próstata é dividido em dois setores: diagnóstico e tratamento das DST, prostatites (infecções da próstata causadas por bactérias e vírus) e prevenção do HIV e HPV; e tumores (câncer e hiperplasia benigna da próstata).

Já na área de urologia, o Centro conta com profissionais de nefrourologia (hipertensão renovascular e transplante renal), endocrinourologia, neurourulogia (disfunções da vesícula, uretrais e incontinência urinária) e urologias geriátrica e plástica.

AJUDE A DIVULGAR, POIS POR DESCONHECER OS SERVIÇOS, O USO TEM SIDO PEQUENO E NÃO JUSTIFICA O INVESTIMENTO

O Hospital do Homem funciona onde é o Hospital Brigadeiro.
Av. Brigadeiro Luis Antonio, 2.651 - Jd. Paulista - São Paulo/SP
Telefone: (11) 3289-2421
Fax: (11) 3284-8650

fonte: Terra

AO ACESSAR A MATÉRIA NO TERRA, VIDE OS COMENTÁRIOS.

é um filme de terror.

Será que o governador José Serra sabe disso? Pelo pouco que conheço dele, tenho certeza de que não.





sábado, 19 de setembro de 2009

Beau Geste

a expressão "Beau Geste" me chegou através de um filme antigo norteamericano que fala sobre aventuras, mas cujo mote é a nobreza de sentimentos e cuja chave do enredo todo, é um gesto bonito, que demonstra caráter, de um dos protagonistas. Via de regra, as pessoas acham que é preciso um enredo de Hollywood para que se produza fenômenos importantes do relacionamento humano. Mas isto é absolutamente errado. Na verdade, podemos exercitar a nobreza de caráter, sem grandes pirotecnias e sem grandes artifícios. Quantas vezes não nos sentimos bem, quase que por nada, ao recebermos um simples sorriso de alguém que sequer conhecemos? Quantas e quantas vezes nos sentimos gratos porque uma pessoa parou para nos dar caminho, gentilmente, numa calçada das ruas violentas da cidade grande? Já aconteceu com algum de vocês, de receber um especial agradecimento por terem feito aquilo que não passa da sua obrigação? Alguém nunca lhe disse palavras amáveis, apenas para que você se sinta bem? Pois é. Nessas esquinas da vida, a gente encontra pessoas que exercitam a nobreza de caráter e que são realmente nobres, com uma visão muito interessante de mundo. Elas não só acham, mas praticam a tese de que o mundo só será um mundo melhor, se você for uma pessoa melhor. "Esses exemplos são de gestos triviais, irrelevantes" diria alguém. Ledo engano. Quando a gente presencia no restaurante aquele senhor poderoso humilhando o garçon, não precisamos de um currículo pormenorizado dessa importante figura, para sabermos como ele realmente é. Os grandes gestos podem ser fruto das circunstâncias. Mas os pequenos não. São mesmo, de dentro de nós, são legítimos, sejam eles bons ou ruins. Assim, toda vez que você dispensar um sorriso a alguém, lembre-se: isso é muito mais importante do que você pensa. Toda vez em que você demonstrar respeito, consideração e até afeição pelo seu semelhante, mesmo que seja um desconhecido, esse bom gesto, esse gesto nobre está demonstrando que valemos a pena como civilização e que o nosso futuro não é tão cinzento como teimam em pintar alguns pessimistas de plantão. ___________________________________________________

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

PEER GYNT (Wilhelm Reich em "A Função do Orgasmo")

(Estou reproduzindo parte de um capítulo do livro de Reich, intitulado Peer Gynt, porque a sua leitura me fez compreender o lado escuro da humanidade que existe dentro de cada um de nós. Somos todos Peer Gynts, tentando nos matar uns aos outros, para que sejamos práticos e objetivos e não soframos com o nosso atávico medo de sermos mais infelizes do que já somos. )
..........

O impacto da psicanálise foi enorme e de grandes consequências.
Foi um soco na face do pensamento convencional.
Você pensa que determina livremente suas próprias ações?
Longe disso: sua ação consciente é apenas uma gota na superfície de um mar de processos inconscientes, do qual você nada pode saber - e sobre o qual, na verdade, tem medo de saber algo.
Você se sente orgulhoso da "individualidade de sua personalidade" e da "abertura de sua mente"? Qual o quê!
Na verdade, você é apenas o brinquedo de seus instintos, que fazem com você tudo o que bem entendem.
Isso, não há dúvida, ofende intensamente sua vaidade!
E você se sentiu depois desiludido quando lhe disseram que era descendente dos macacos e que a Terra na qual se arrasta não é o centro do Universo, tanto quanto se sentira feliz antes em pensar o contrário.
Você ainda crê que a Terra, um entre milhões de planetas, é o único que permite a vida.
Em suma, você é regulado por processos que não pode controlar, que não conhece, que teme e que interpreta errôneamente.

Há uma realidade psíquica que se estende muito além de sua mente consciente.
Seu inconsciente é como a "coisa em si", de Kant. Em si mesmo não pode ser agarrado; revela-se a você apenas através de suas manifestações.

O Peer Gynt de Ibsen sente isso:

"Para trás, ou para a frente, é igualmente longe. Fora ou dentro, o caminho é igualmente estreito. É ali! - e ali! - e tudo ao meu redor! Penso que saí, e estou de volta, bem no meio. Qual é o seu nome? Deixe-me vê-lo! Diga o que você é!"

É o "grande Boyg". Li muitas vezes o Peer Gynt.

Li muitas interpretações, também. Somente a de Brandes, o grande sábio nórdico, tocou meus próprios sentimentos em relação ao drama de Ibsen.

A rejeição emocional da teoria do inconsciente de Freud não pode ser totalmente explicada sobre a base do medo tradicional às idéias novas e grandes.
O homem tem de existir, material e psiquicamente; tem de existir em uma sociedade que segue um modelo prescrito e tem de defender-se.
A vida diária o exige.
Uma divergência do que é conhecido, do que é familiar, um desvio do caminho muitas vezes trilhado, pode significar a confusão total, a ruína.
O medo do homem do que é incerto, do insondável, do cósmico justifica-se, ou ao menos se compreende.
Aquele que se afasta do caminho comum se torna facilmente um Peer Gynt, um visionário, um doente mental.

Parecia que Peer Gynt queria revelar um profundo segredo, não sendo, entretanto, muito capaz de fazê-lo.

É a história de um jovem que, embora insuficientemente aparelhado, se liberou das fileiras cerradas da turba humana.
Não é compreendido.
As pessoas riem dele quando está fraco; tentam destruí-lo quando está forte.
Se não consegue compreender a infinitude que atinge seus pensamentos e ações, é condenado a desencadear sua própria ruína.
Tudo se agitou e rodopiou em mim, quando li e entendi Peer Gynt e quando encontrei e compreendi Freud.

Eu era ostensivamente semelhante a Peer Gynt.

Senti que seu destino era a consequência mais provável, quando alguém se aventurava a libertar-se das fileiras cerradas de uma ciência autorizada e do pensamento tradicional.

Se a teoria do inconsciente de Freud era correta - e eu não tinha dúvidas de que fosse - então a infinitude psíquica interior tinha sido entendida.

O homem se tornara uma pequena mancha no fluxo de suas próprias experiências.
Senti tudo isso de uma forma nebulosa - mas não "científicamente".
Encarada do ângulo da vida sem couraça, a teoria científica é um ponto de apoio no caos dos fenômenos vivos.
Serve, por isso, ao objetivo de uma proteção psíquica.
Não há muito perigo de que seja tragado por esse caos, quando se classificaram nitidamente, se catalogaram, se descreveram - e por isso se pensa haver compreendido - esses fenômenos.
Dessa maneira, é até mesmo possível dominar certa porção desse caos.
Isso me trazia um consolo muito pequeno.
Com vistas às infinitas possibilidades da vida, tem sido minha preocupação constante nos últimos vinte anos limitar o alcance de minhas investigações científicas.

No fundo de cada item pormenorizado de meu trabalho havia o sentimento de ser apenas um ponto infinitesimal no Universo.
Para quem voa a uma altitude de mil metros, quão miseravelmente parecem os carros que se arrastam lá embaixo!

(...) Foram estas observações e sugestões que me levaram a ler muitas vezes Peer Gynt.

Através de Peer Gynt, um grande poeta deu voz às suas percepções do mundo e da vida.
Em 1920, estudei o drama e tudo quanto fora escrito a respeito dele.
Vi a representação teatral no Burgtheater de Viena e mais tarde em Berlim.
Em 1936, vi uma interpretação da peça pelo Teatro Nacional de Oslo, com maurstad como Peer Gynt.
Foi ai que entendi o meu interesse pelo significado da peça.

Ibsen havia dramatizado a miséria do sujeito não convencional.

De início, Peer Gynt tem umas idéias fantásticas e se sente forte.
Está fora de sintonia com a vida cotidiana: é um sonhador, um ocioso.
Os outros vão diligentemente à escola ou ao trabalho e riem do sonhador.
Bem no fundo, eles todos são também Peer Gynts.
Peer Gynt sente o pulso da vida, que arremete impetuosamente.
A vida de todo dia é estreita e exige um método rígido.
De um lado, se encontra a imaginação de Peer Gynt; de outro, a Realpolitik.
Temendo o infinito, o homem prático se tranca em um pedacinho da terra e procura segurança para sua vida. É um problema simples a que ele, como cientista, dedica a sua vida inteira.
É um comércio modesto de que se ocupa como sapateiro.
Ele não deve pensar a respeito da vida: vai ao escritório, ao campo, à fábrica; visita os pacientes, vai à escola. Cumpre seu dever e tem a sua paz.
Matou há muito tempo o Peer Gynt que havia nele.
Pensar é muito cansativo e perigoso.
Os Peer Gynts são uma ameaça à sua paz de espírito.
Seria muito tentador parecer-se com eles.

(...) Per Gynt está explodindo de energia e de alegria sensual.
Os outros se identificam com os sentimentos do filhote de elefante da história de Kipling.
Fugiu da mãe, chegou ao rio e fez cócegas no crocodilo. Era tão curioso e cheio de vida!
O crocodilo agarrou-o pelo nariz - ainda muito curto nesse tempo em que os elefantes não tinham longas trombas. (segue em breve)

sábado, 12 de setembro de 2009

Ética

Meu padrasto ganhava muito mal e não conseguia pagar o meu material escolar. Naquele tempo, o governo não dava material, apenas oferecia a escola pública, mais nada. Com jeitinho, consegui um trabalho, apesar de ter apenas 14 anos. "Encarregado do Mimeógrafo" da escola. Uma responsabilidade e tanto.

Tinha que datilografar
as matrizes e rodar todas as provas do colégio. Mas o que eu ganhava dava para pagar o meu material e...boa! Como o trabalho era de estrita confiança e sigiloso ao máximo, o equipamento ficava dentro da sala dos professores e só eu, dentre os alunos, tinha acesso a ele. Um dia, estava eu rodando uma prova de uma classe, quando uma professora, que corrigia provas na mesa ao lado, começou a rir da resposta de um aluno e mostrou a outra professora. Na minha curiosidade mórbida e aproveitando a intimidade do momento, arrisquei a perguntar o que o aluno tinha dito de tão gozado. A professora, gentilmente, dobrou para trás o cabeçalho da prova e me mostrou. De fato, era uma resposta extremamente espirituosa. Arrisquei ir além e perguntei quem era o aluno e ela logo respondeu: "-Não posso mostrar." "-Por quê?" perguntei eu. E ela, do alto de sua autoridade de professora, esclareceu: "-Não posso contar por uma questão de Ética." é claro que eu não sabia o que é isso. E a explicação da professora não foi nada convincente. Fingi estar satisfeito e encerrou-se aí o episódio.
A minha cidadezinha tinha pouco mais de 30 mil habitantes e um comércio bastante fraco. Mas tinha uma livraria excepcionalmente grande para as medidas locais. Eu tinha umas economias e fui até a livraria. Comprei um livro gigantesco, com quase mil paginas, chamado "Ética" de um tal de Aristóteles. Levei para casa e, com o dicionário do lado e uma enorme dificuldade, porque a cada quatro palavras uma eu não conhecia o significado, comecei a ler. Foi terrível. Chato, estremamente chato. Li umas cinquenta e poucas páginas e continuei boiando com essa palavra Ética.
Voltei à livraria e perguntei se não havia nada mais recente sobre Ética, porque o grego estava me enlouquecendo, esse tal de Aristóteles. Encontrei então um título "Ética" escrito por um filósofo contemporâne
o chamado Adolfo Sanchez Vazquez, um mexicano muito arretado da gota serena. Com o que me restava de grana, comprei esse livro também e voltei para casa, me divertir com o desconhecido.
Afinal, conseguira conceituar a tal da Ética. Satisfeito, encerrei o assunto e passei a me considerar um conhecedor da Ética. Bonito, mas nada prático, como vamos logo perceber. Esqueci o assunto e toquei a bola pra frente, cuidando (ou não) da minha vidinha de moleque travesso.
Ao completar 18 anos, meu perfil era outro. Precisava porque precisava trabalhar e o máximo que tinha conseguido, era trabalhar pessimamente remunerado na emissora de rádio local, isso depois de um longo período trabalhando de graça. Desde os 16 anos escrevia para jornais locais, todos semanários e sem remuneração. Precisava virar gente, diziam meus pais. trabalhar num emprego decente. e eis que chega a grande oportunidade. Um concurso para oficial de justiça. Me inscrevi esperançoso.
Diziam que havia um psicológico embutido na prova. Eram 2 vagas e 400 candidatos. A redação valia quase metade da pontuação total e ofereceram 3 temas: A Amizade, O Brasil e a Revolução de 1964 e O Homem e o Mundo Moderno. Avaliei que, se houvesse realmente um exame psicológico embutido na prosa, a amizade nem pensar e tema político também não - escolhi o último tema. Acabara de ler Alvin Toffler, "O Choque do Futuro" e "A terceira Onda" e tinha lido "A Aldeia Global" de Marshall McLughan, além de "A Técnica eo Desafio do Século" de Jacques Ellul. Estava afiadíssimo para a redação, como podem notar.
Na prova, uma das perguntas era se determinado comportamento do oficial de justiça poderia ir contra a Ética. Eu escrevi no lugar da resposta que a pergunta havia sido formulada "errôneamente".
Meses depois da prova, o juiz de direto me chamou em seu gabinete. Havia um comentário na cidade de que eu teria decorado o texto da redação, uma vez que naquela cidadezinha, um jovem de 18 anos não poderia, simplesmente, saber tudo aquilo. E para piorar, o cara que tirou o primeiro lugar na prova fizera uma redação de 12 linhas sobre a amizade. Ele me disse: "-Você pretendeu anular uma questão da prova e foi uma grande bobagem. Se vc não tivesse tentado isso, teria passsado, mas pegou terceiro lugar e, como sabe, são só duas vagas. Mas, eu te chamei aqui só para matar uma curiosidade. Por que vc entendeu que a pergunta estava formulada de maneira errada?
Bem, disse eu - qual o conceito de Ética do senhor? Ele respondeu, enérgi
co: Quem pergunta aqui sou eu. Qual é o SEU conceito de Ética? Eu respondi: Bem, a Ética, no meu conceito, é uma doutrina filosófica, que tem por objeto a moral no tempo e no espaço. Como doutrina filosófica, ela só pode ser especulativa, jamais normativa, a não ser quanto ao método de estudo. O que é normativo com relação ao comportamento é a Moral. A Ética aponta, investiga, analisa, compara o comportamento humano em várias regiões do globo e em várias épocas, para poder entender melhor o que é certo e errado, pelo menos aqui, pelo menos agora.
O juiz então, perguntou de onde eu tirara aquilo e dei a bibliografia, ressaltando que não consguir
a adentrar a ética de aristóteles por ser muito chata.
Então o juiz explicou: "- Olha, essa prova foi elaborada por mim, por um professor de direito da faculdade local e por um juiz de direito de outra comarca. Se você insistir
nessa sua tese, você tem chance de ganhar, com prejuízo moral para os três. E, se você ganhar, não será, obvimente, bem vindo aqui.

(pano rápido)

A Bacia de Jabuticaba



















Contei meu tempo e descobri que terei menos anos para viver daqui para frente do que já vivi até agora. Se for verdade que o tempo médio de vida do brasileiro é de setenta anos, constato com tranqüilidade, que já vivi noventa por cento daquela etapa-limite.

Deste modo, sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia cheia de jabuticabas. As primeiras ele as comeu de forma displicente. Quando se deu pela conta que faltavam poucas, se pôs a saboreá-las mais, roendo até o caroço.

Nesta fase já não tenho paciência para lidar com mediocridades. Desde que me aposentei, há mais de quinze anos, procuro fazer apenas o que gosto; e quando quero. Detesto estar naquelas reuniões onde desfilam egos inchados, beatos incoerentes, parvos gabolas ou invejosos.

Meu tempo para planos megalomaníacos passou. Alguns projetos que propus foram rejeitados por que iriam exigir sacrifícios. Nego-me a participar de conferências ou encontros que estabeleçam resolver a miséria do mundo, nem aceito convites para eventos de fim-de-semana para consertar o mundo e abalar o século.

Causa-me náuseas o conteúdo de certas reuniões, freqüentes e intermináveis, para discutir regulamentos, sexo de anjos e estatutos. Falta-me tempo para administrar melindres de adultos imaturos.

Não vou mais àquelas reuniões em que o “superior geral” traz a pauta pronta e não anota nada, evidenciando que não deseja mudanças. Não perco mais tempo em conclaves molestos, pura “disputa de beleza”, cheios de confrontações, onde querem “tirar fatos a limpo” e acabam em “tudo combinado e nada resolvido”. Detesto “dar força” a desafetos que se desentenderam por causa do majestoso cargo de secretário-geral da banda, ou coisa parecida.

Ocorre muito aquilo que Mario de Andrade denunciou: “As pessoas não debatem conteúdos, apenas rótulos”. Meu tempo se tornou escasso para debater rótulos; ando em busca de essências.

Se for para jogar tempo fora, prefiro passá-lo em casa, conversando, tomando chimarrão, comendo “cebolitos” e até vendo televisão com minha mulher, ou fazendo um churrasquinho esperto com os filhos, ou amigos do peito, em cuja companhia o tempo nunca é perdido.

Já sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana, que saiba rir de seus tropeços, sem se deslumbrar com os triunfos, gente que não se considera eleita ou santa antes da hora. Pessoa que não fuja de sua mortalidade, que mesmo possuindo alguma coisa não se esqueça dos pobres e dos excluídos. Gente, enfim, que procura fazer tudo o que Deus quer.

Viver ao lado de pessoas e valores verdadeiros, desfrutar de um amor absolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo. Esse essencial é que faz a vida valer a pena.



O autor é Filósofo e escritor










Antônio Mesquita Galvão
Publicado no Recanto das Letras em 28/05/2007
Código do texto: T504626

sábado, 1 de agosto de 2009

E Agora, José? (Carlos Drummond de Andrade)

The Windmills of our Mind

Todos nós temos nossos moinhos de vento, nossos gigantes para lutar. E sempre há um ou outro escudeiro para tentar nos alertar em vão de nossa tragédia mental, quando não vemos o óbvio e não temos a devida consciência de que o sonho que abraçamos é desmesuradamente maior do que a realidade. Entretanto, qual outra razão teria Alonso Quijano senão ter sua Dulcinéia e ser um cavaleiro para lutar contra gigantes, talvez o último, num mundo onde já não há mais cavaleiros? Pelo que se denota da vida, muitos homens de sucesso foram outrora insanos às voltas com moinhos de vento, que, por uma alquimia do destino, afinal acabaram estranhamente dando certo.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Enquanto os togados dizem que trabalham....

Lavrador fica preso 11 anos sem ir a julgamento

O Conselho Nacional de Justiça descobriu o que considera ser um dos casos mais graves da história do Judiciário no país. O lavrador Valmir Romário de Almeida, de 42 anos, passou quase 11 anos preso no Espírito Santo sem nunca ter sido julgado. A reportagem é da Folha de S.Paulo.

Valmir é acusado de ter matado com uma machadada na cabeça um ex-cunhado, em 1998. De acordo com o texto, ele passou por quatro presídios e não teve direito de sair da prisão nem mesmo para o enterro da mãe, em 2007. O tempo que ficou na cadeia é um terço da pena máxima que pode ser aplicada no Brasil (30 anos). Seu advogado, de acordo com a Folha, um defensor público da cidade de Ecoporanga (328 km de Vitória), sempre alegou que ele tinha problemas psiquiátricos, mas nunca pediu um habeas corpus. Valmir confessou o crime e disse à polícia que matou o ex-cunhado porque um dia apanhou dele.

Aberração Jurídica

Se tivesse sido julgado e condenado, pelo tempo que passou na cadeia, Valmir já teria direito a progressão de regime — cumprir o resto em prisão aberta (com a obrigação de se apresentar frequentemente ao juiz) ou semiaberta (quando só dorme na penitenciária).

Abandono

O lavrador só saiu da prisão em maio, quando um assessor jurídico recém nomeado para o presídio em que ele estava, debruçou-se sobre uma pilha de casos e ficou sensibilizado. Em dez dias, conseguiu libertá-lo.

Há muitos casos

Embora seja considerado recorde no país, o caso de Valmir não é único. Segundo o CNJ, 42,9% dos 446,6 mil presidiários cumprem prisão provisória. A situação vem se agravando. Em 1995, menos de um terço (28,4%) dos 148,7 mil presos não tinham sido julgados.

Outros casos excepcionais foram encontrados pelo CNJ. No Maranhão uma pessoa ficou oito anos presa quando sua pena era de quatro anos. No Piauí e em Pernambuco, foram encontrados presos que já haviam sido absolvidos pela Justiça. "Criou-se um mundo a parte. Nesse caso (do lavrador) falharam todos do sistema judicial", disse o presidente do CNJ, Gilmar Mendes em entrevista à Folha.

Para Paulo Brossard, ex-ministro do STF e da Justiça, alguém ficar detido por 11 anos sem ser julgado é inaceitável.

domingo, 19 de julho de 2009

Discurso de José Saramago


Texto lido na cerimônia de encerramento do Fórum Social Mundial 2002


"Começarei por vos contar em brevíssimas palavras um facto notável da vida camponesa ocorrido numa aldeia dos arredores de Florença há mais de quatrocentos anos.

Permito-me pedir toda a vossa atenção para este importante acontecimento histórico porque, ao contrário do que é corrente, a lição moral extraível do episódio não terá de esperar o fim do relato, saltar-vos-á ao rosto não tarda.

Estavam os habitantes nas suas casas ou a trabalhar nos cultivos, entregue cada um aos seus afazeres e cuidados, quando de súbito se ouviu soar o sino da igreja.

Naqueles piedosos tempos (estamos a falar de algo sucedido no século XVI) os sinos tocavam várias vezes ao longo do dia, e por esse lado não deveria haver motivo de estranheza, porém aquele sino dobrava melancolicamente a finados, e isso, sim, era surpreendente, uma vez que não constava que alguém da aldeia se encontrasse em vias de passamento.

Saíram portanto as mulheres à rua, juntaram-se as crianças, deixaram os homens as lavouras e os mesteres, e em pouco tempo estavam todos reunidos no adro da igreja, à espera de que lhes dissessem a quem deveriam chorar.

O sino ainda tocou por alguns minutos mais, finalmente calou-se.

Instantes depois a porta abria-se e um camponês aparecia no limiar.

Ora, não sendo este o homem encarregado de tocar habitualmente o sino, compreende-se que os vizinhos lhe tenham perguntado onde se encontrava o sineiro e quem era o morto.
"O sineiro não está aqui, eu é que toquei o sino", foi a resposta do camponês.

"Mas então não morreu ninguém?", tornaram os vizinhos, e o camponês respondeu:

"Ninguém que tivesse nome e figura de gente, toquei a finados pela Justiça porque a Justiça está morta."

Que acontecera?

Acontecera que o ganancioso senhor do lugar (algum conde ou marquês sem escrúpulos) andava desde há tempos a mudar de sítio os marcos das estremas das suas terras, metendo-os para dentro da pequena parcela do camponês, mais e mais reduzida a cada avançada.

O lesado tinha começado por protestar e reclamar, depois implorou compaixão, e finalmente resolveu queixar-se às autoridades e acolher-se à protecção da justiça.

Tudo sem resultado, a expoliação continuou.

Então, desesperado, decidiu anunciar urbi et orbi (uma aldeia tem o exacto tamanho do mundo para quem sempre nela viveu) a morte da Justiça.

Talvez pensasse que o seu gesto de exaltada indignação lograria comover e pôr a tocar todos os sinos do universo, sem diferença de raças, credos e costumes, que todos eles, sem excepção, o acompanhariam no dobre a finados pela morte da Justiça, e não se calariam até que ela fosse ressuscitada.


Um clamor tal, voando de casa em casa, de aldeia em aldeia, de cidade em cidade, saltando por cima das fronteiras, lançando pontes sonoras sobre os rios e os mares, por força haveria de acordar o mundo adormecido...

Não sei o que sucedeu depois, não sei se o braço popular foi ajudar o camponês a repor as estremas nos seus sítios, ou se os vizinhos, uma vez que a Justiça havia sido declarada defunta, regressaram resignados, de cabeça baixa e alma sucumbida, à triste vida de todos os dias.

É bem certo que a História nunca nos conta tudo...

Suponho ter sido esta a única vez que, em qualquer parte do mundo, um sino, uma campânula de bronze inerte, depois de tanto haver dobrado pela morte de seres humanos, chorou a morte da Justiça.

Nunca mais tornou a ouvir-se aquele fúnebre dobre da aldeia de Florença, mas a Justiça continuou e continua a morrer todos os dias.

Agora mesmo, neste instante em que vos falo, longe ou aqui ao lado, à porta da nossa casa, alguém a está matando.

De cada vez que morre, é como se afinal nunca tivesse existido para aqueles que nela tinham confiado, para aqueles que dela esperavam o que da Justiça todos temos o direito de esperar: justiça, simplesmente justiça.

Não a que se envolve em túnicas de teatro e nos confunde com flores de vã retórica judicialista, não a que permitiu que lhe vendassem os olhos e viciassem os pesos da balança, não a da espada que sempre corta mais para um lado que para o outro, mas uma justiça pedestre, uma justiça companheira quotidiana dos homens, uma justiça para quem o justo seria o mais exacto e rigoroso sinónimo do ético, uma justiça que chegasse a ser tão indispensável à felicidade do espírito como indispensável à vida é o alimento do corpo.

Uma justiça exercida pelos tribunais, sem dúvida, sempre que a isso os determinasse a lei, mas também, e sobretudo, uma justiça que fosse a emanação espontânea da própria sociedade em acção, uma justiça em que se manifestasse, como um iniludível imperativo moral, o respeito pelo direito a ser que a cada ser humano assiste.

Mas os sinos, felizmente, não tocavam apenas para planger aqueles que morriam.

Tocavam também para assinalar as horas do dia e da noite, para chamar à festa ou à devoção dos crentes, e houve um tempo, não tão distante assim, em que o seu toque a rebate era o que convocava o povo para acudir às catástrofes, às cheias e aos incêndios, aos desastres, a qualquer perigo que ameaçasse a comunidade.

Hoje, o papel social dos sinos encontra-se limitado ao cumprimento das obrigações rituais e o gesto iluminado do camponês de Florença seria visto como obra desatinada de um louco ou, pior ainda, como simples caso de polícia.

Outros e diferentes são os sinos que hoje defendem e afirmam a possibilidade, enfim, da implantação no mundo daquela justiça companheira dos homens, daquela justiça que é condição da felicidade do espírito e até, por mais surpreendente que possa parecer-nos, condição do próprio alimento do corpo.

Houvesse essa justiça, e nem um só ser humano mais morreria de fome ou de tantas doenças que são curáveis para uns, mas não para outros.

Houvesse essa justiça, e a existência não seria, para mais de metade da humanidade, a condenação terrível que objectivamente tem sido.

Esses sinos novos cuja voz se vem espalhando, cada vez mais forte, por todo o mundo são os múltiplos movimentos de resistência e acção social que pugnam pelo estabelecimento de uma nova justiça distributiva e comutativa que todos os seres humanos possam chegar a reconhecer como intrinsecamente sua, uma justiça protectora da liberdade e do direito, não de nenhuma das suas negações.

Tenho dito que para essa justiça dispomos já de um código de aplicação prática ao alcance de qualquer compreensão, e que esse código se encontra consignado desde há cinquenta anos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, aquelas trinta direitos básicos e essenciais de que hoje só vagamente se fala, quando não sistematicamente se silencia, mais desprezados e conspurcados nestes dias do que o foram, há quatrocentos anos, a propriedade e a liberdade do camponês de Florença.

E também tenho dito que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, tal qual se encontra redigida, e sem necessidade de lhe alterar sequer uma vírgula, poderia substituir com vantagem, no que respeita a rectidão de princípios e clareza de objectivos, os programas de todos os partidos políticos do orbe, nomeadamente os da denominada esquerda, anquilosados em fórmulas caducas, alheios ou impotentes para enfrentar as realidades brutais do mundo actual, fechando os olhos às já evidentes e temíveis ameaças que o futuro está a preparar contra aquela dignidade racional e sensível que imaginávamos ser a suprema aspiração dos seres humanos.

Acrescentarei que as mesmas razões que me levam a referir-me nestes termos aos partidos políticos em geral, as aplico por igual aos sindicatos locais, e, em consequência, ao movimento sindical internacional no seu conjunto.

De um modo consciente ou inconsciente, o dócil e burocratizado sindicalismo que hoje nos resta é, em grande parte, responsável pelo adormecimento social decorrente do processo de globalização económica em curso.

Não me alegra dizê-lo, mas não poderia calá-lo.

E, ainda, se me autorizam a acrescentar algo da minha lavra particular às fábulas de La Fontaine, então direi que, se não interviermos a tempo, isto é, já, o rato dos direitos humanos acabará por ser implacavelmente devorado pelo gato da globalização económica.

E a democracia, esse milenário invento de uns atenienses ingénuos para quem ela significaria, nas circunstâncias sociais e políticas específicas do tempo, e segundo a expressão consagrada, um governo do povo, pelo povo e para o povo?

Ouço muitas vezes argumentar a pessoas sinceras, de boa fé comprovada, e a outras que essa aparência de benignidade têm interesse em simular, que, sendo embora uma evidência indesmentível o estado de catástrofe em que se encontra a maior parte do planeta, será precisamente no quadro de um sistema democrático geral que mais probabilidades teremos de chegar à consecução plena ou ao menos satisfatória dos direitos humanos.

Nada mais certo, sob condição de que fosse efectivamente democrático o sistema de governo e de gestão da sociedade a que actualmente vimos chamando democracia.

E não o é.

É verdade que podemos votar, é verdade que podemos, por delegação da partícula de soberania que se nos reconhece como cidadãos eleitores e normalmente por via partidária, escolher os nossos representantes no parlamento, é verdade, enfim, que da relevância numérica de tais representações e das combinações políticas que a necessidade de uma maioria vier a impor sempre resultará um governo.

Tudo isto é verdade, mas é igualmente verdade que a possibilidade de acção democrática começa e acaba aí.

O eleitor poderá tirar do poder um governo que não lhe agrade e pôr outro no seu lugar, mas o seu voto não teve, não tem, nem nunca terá qualquer efeito visível sobre a única e real força que governa o mundo, e portanto o seu país e a sua pessoa:

refiro-me, obviamente, ao poder económico, em particular à parte dele, sempre em aumento, gerida pelas empresas multinacionais de acordo com estratégias de domínio que nada têm que ver com aquele bem comum a que, por definição, a democracia aspira.

Todos sabemos que é assim, e contudo, por uma espécie de automatismo verbal e mental que não nos deixa ver a nudez crua dos factos, continuamos a falar de democracia como se se tratasse de algo vivo e actuante, quando dela pouco mais nos resta que um conjunto de formas ritualizadas, os inócuos passes e os gestos de uma espécie de missa laica.

E não nos apercebemos, como se para isso não bastasse ter olhos, de que os nossos governos, esses que para o bem ou para o mal elegemos e de que somos portanto os primeiros responsáveis, se vão tornando cada vez mais em meros "comissários políticos" do poder económico, com a objectiva missão de produzirem as leis que a esse poder convierem, para depois, envolvidas no açúcares da publicidade oficial e particular interessada, serem introduzidas no mercado social sem suscitar demasiados protestos, salvo os certas conhecidas minorias eternamente descontentes...

Que fazer?

Da literatura à ecologia, da fuga das galáxias ao efeito de estufa, do tratamento do lixo às congestões do tráfego, tudo se discute neste nosso mundo.

Mas o sistema democrático, como se de um dado definitivamente adquirido se tratasse, intocável por natureza até à consumação dos séculos, esse não se discute.

Ora, se não estou em erro, se não sou incapaz de somar dois e dois, então, entre tantas outras discussões necessárias ou indispensáveis, é urgente, antes que se nos torne demasiado tarde, promover um debate mundial sobre a democracia e as causas da sua decadência, sobre a intervenção dos cidadãos na vida política e social, sobre as relações entre os Estados e o poder económico e financeiro mundial, sobre aquilo que afirma e aquilo que nega a democracia, sobre o direito à felicidade e a uma existência digna, sobre as misérias e as esperanças da humanidade, ou, falando com menos retórica, dos simples seres humanos que a compõem, um por um e todos juntos.

Não há pior engano do que o daquele que a si mesmo se engana.

E assim é que estamos vivendo.

Não tenho mais que dizer.

Ou sim, apenas uma palavra para pedir um instante de silêncio.

O camponês de Florença acaba de subir uma vez mais à torre da igreja, o sino vai tocar.

Ouçamo-lo, por favor."

18/03/2002