sábado, 19 de abril de 2014

Medos

A gente nunca sabe como será o amanhã. Durante toda a minha vida, eu me preocupei com o amanhã. Não o meu, mas o dos meus filhos. Da minha família. Sempre tive muito receio de deixar faltar alguma coisa em casa. O pessoal do trabalho mais proximo a mim, sempre lembra de como eu comprava e acumulava as coisas na dispensa de casa.  As pessoas riam, porque eu não comprava pacote de papel higiênico. Comprava grandes fardos. Óleo de soja era de caixa fechada. O mesmo com leite. Arroz. Feijão. Tudo por receio do futuro. E meu receio não era infundado. As coisas não andaram do jeito que era preciso. Tive vários casamentos, três filhos. Não tive o prazer de estar com todos os meus filhos o tempo todo. E lamento profundamente por isso. Um famoso psicólogo me disse que meu problema renal crônico se associa a "medo". Hoje, com o meu prazo de validade de vida ainda vigindo, mas em fase final, olho para as fotos de meus filhos, meus netos. Todos sãos, sadios, fortes, felizes e depois de tudo, eles passaram pelo "olho do furacão" incólumes. De um jeito meio atrapalhado, de uma forma não muito honrosa, aos pedaços, mas a missão foi cumprida. Eles alcançaram a maioridade, a emancipação e estão aí, prontos para a vida. .E já cuidando da própria. Não preciso mais ter receio de nada. Creio que daqui para a frente, meus rins se acalmarão em sua furiosa faina de produzir cálculos. E no ocaso da vida, finalmente, posso concluir que não há mais nada a temer. Sou, afinal, dos meus medos, um homem livre.

Foco

A vida pode ser uma delícia. Depende da maneira com que a encaramos.  As boas coisas servem para nos recompensar, as más para nos fortalecer.  Os jovens reclamam da idade, sem se atinar para o vigor e o tanto que ainda tem para viver. Os adultos estão muito ocupados para parar um momento e apreciar uma flor delicada, um por do sol, um pássaro em um galho qualquer de uma árvore qualquer. Os mais velhos se queixam das dores e temem a proximidade da morte, sem se atinar para o que o tempo lhes fez, o quão melhores estão em comparação a décadas atrás, o que, de per si, já lhes dá condições de aproveitar muito mais o pouco tempo que lhes resta. Enfim, a infelicidade e tristeza são o resultado do foco que fazemos de dentro de nossas almas em direção ao mundo lá fora. Ele é, reconheço, terrível. Mas uma fera, como um tigre, por exemplo, por ser feroz, não deixa de ser belo.