quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

A Caipirinha de Vodka


- Amor, vamos fazer uma coisa diferente neste sábado? Tá tão parado, tá tudo tão igual...
- Fazer o quê, meu bem?
- Ah, sei lá...
- Tem alguma sugestão? A idéia é sua, sugira aí!
- Já sei! O Pedro Paulo disse que foi com a Soraya num motel lindão lá perto da saída para Moji-Mirim.
- E daí?
- Sabe, eu gostaria de conhecer.
- Bem, vamos. Fiquei curiosa agora.
O casal de pombinhos pega o carro e sai para mais uma aventura.
Já no destino, nenhuma surpresa: uma fila de uns 30 carros, entrando pelo motel, dando a volta completa pelo pátio interno. Sábado é o dia nacional do sexo. Depois de meia hora na fila, a fila andando, o carro fica cara-a-cara com a copa do estabelecimento.
- Amorzinho, vamos esticar as pernas. Desce um pouco. tem sorvete ali, quer?
- Quero sim, tem de massa?
- Vai escolhendo aí que eu vou pedir uma bebidinha que ninguém é de ferro aqui na boqueta da cozinha. Vc bebe alguma coisa?
- Paixão, eu quero um suco de laranja sem açúcar e com bastante gelo.
- A senhora ouviu o pedido dela, né? Agora para mim eu quero uma caipirinha de vodka...
Nisso a voz de uma mulher lá de dentro da cozinha interrompe gritando:
- Já sei, com bastante açúcar do jeito que o senhor gosta!

Elegância

As pessoas geralmente se preocupam com a aparência física e se esmeram para mostrar certa elegância, de acordo com suas possibilidades.

Isso é natural do ser humano.

Tanto que muitos buscam escolas que ensinam boas maneiras.

No entanto, existe uma coisa difícil de ser ensinada e que, talvez por isso, esteja cada vez mais rara: a elegância do comportamento.


É um dom que vai muito além do uso correto dos talheres e que abrange bem mais do que dizer um simples obrigado diante de uma gentileza.


É a elegância que nos acompanha da primeira hora da manhã até a hora de dormir e que se manifesta nas situações mais prosaicas, quando não há festa alguma nem fotógrafos por perto.


É uma elegância desobrigada.


É possível detectá-la nas pessoas que elogiam mais do que criticam.


Nas pessoas que escutam mais do que falam.


E quando falam, passam longe da fofoca, das pequenas maldades ampliadas no boca a boca.


É possível detectá-la nas pessoas que não usam um tom superior de voz ao se dirigir a frentistas.


Nas pessoas que evitam assuntos constrangedores porque não sentem prazer em humilhar os outros.


É possível detectá-la em pessoas pontuais.


Elegante é quem demonstra interesse por assuntos que desconhece, é quem presenteia fora das datas festivas, é quem cumpre o que promete e, ao receber uma ligação, não recomenda à secretária que pergunte antes quem está falando e só depois manda dizer se está ou não está.


Oferecer flores é sempre elegante.


É elegante não ficar espaçoso demais.


É elegante, você fazer algo por alguém , e este alguém jamais saber o que você teve que se arrebentar para o fazer...


É elegante não mudar seu estilo apenas para se adaptar ao outro.


É muito elegante não falar de dinheiro em bate-papos informais.


É elegante retribuir carinho e solidariedade.


" É elegante o silêncio, diante de uma rejeição... "


Sobrenome, jóias e nariz empinado não substituem a elegância do Gesto.


Não há livro que ensine alguém a ter uma visão generosa do mundo, a estar nele de uma forma não arrogante.


É elegante a gentileza,.atitudes gentis falam mais que mil imagens...


...Abrir a porta para alguém...é muito elegante (Será q ainda existem homens assim?)... .


..Dar o lugar para alguém sentar...é muito elegante...


...Sorrir, sempre é muito elegante e faz um bem danado para a alma...


...Oferecer ajuda...é muito elegante... .


..Olhar nos olhos, ao conversar é essencialmente elegante...


Pode-se tentar capturar esta delicadeza natural pela observação, mas tentar imitá-la é improdutivo.


A saída é desenvolver em si mesmo a arte de conviver, que independe de status social:


é só pedir licencinha para o nosso lado brucutu, que acha que "com amigo não tem que ter estas frescuras".


Se os amigos não merecem uma certa cordialidade, os desafetos é que não irão desfrutá-la.


Educação enferruja por falta de uso. E, detalhe: não é frescura.




(texto creditado a Martha Medeiros)


Sentença do Juiz Rafael Gonçalves de Paula


nos autos nº 124/03 - 3ª Vara Criminal da Comarca de Palmas/TO:

Trata-se de auto de prisão em flagrante de Saul Rodrigues Rocha e Hagamenon Rodrigues Rocha, que foram detidos em virtude do suposto furto de duas (2) melancias. Instado a se manifestar, o Sr. Promotor de Justiça opinou pela manutenção dos indiciados na prisão.
Para conceder a liberdade aos indiciados, eu poderia invocar inúmeros fundamentos: os ensinamentos de Jesus Cristo, Buda e Ghandi, o Direito Natural, o princípio da insignificância ou bagatela, o princípio da intervenção mínima, os princípios do chamado Direito alternativo, o furto famélico, a injustiça da prisão de um lavrador e de um auxiliar de serviços gerais em contraposição à liberdade dos engravatados que sonegam milhões dos cofres públicos, o risco de se colocar os indiciados na Universidade do Crime (o sistema penitenciário nacional).
Poderia sustentar que duas melancias não enriquecem nem empobrecem ninguém. Poderia aproveitar para fazer um discurso contra a situação econômica brasileira, que mantém 95% da população sobrevivendo com o mínimo necessário.
Poderia brandir minha ira contra os neo-liberais, o consenso de Washington, a cartilha demagógica da esquerda, a utopia do socialismo, a colonização européia. Poderia dizer que George Bush joga bilhões de dólares em bombas na cabeça dos iraquianos, enquanto bilhões de seres humanos passam fome pela Terra - e aí, cadê a Justiça nesse mundo?
Poderia mesmo admitir minha mediocridade por não saber argumentar diante de tamanha obviedade. Tantas são as possibilidades que ousarei agir em total desprezo às normas técnicas: não vou apontar nenhum desses fundamentos como razão de decidir. Simplesmente mandarei soltar os indiciados. Quem quiser que escolha o motivo.

Expeçam-se os alvarás. Intimem-se.

Rafael Gonçalves de Paula
Juiz de Direito

O Shampoo


Por vezes, agendas externas coincidentes, assumidas por meus colegas, esvaziam o escritório. E eu ocasionalmente, atendo a uma ou outra demanda.

Recebemos muitas visitas de pessoas com toda sorte de problema.

Mas teve um, dias atrás, que não sei o que mais fez comigo: se me desconcertou ou se me aliviou.

Ocorre que as pessoas, quanto mais grave é o problema, mais rodeios fazem para chegar ao ponto.

O rapaz entrou, identificou-se, alegou estar albergado num local público, me mostrou o crachá com foto e outros documentos, enquanto falava.

Logo no começo, ele perguntou se eu era católico, religioso. Respondi, é claro, afirmativamente, explicando que apesar de não ser católico, eu era cristão e acreditava em Deus. Ele respirou aliviado.

Então, foi desfiando o seu drama. "Estou fazendo um curso profissionalizante. Não me falta comida, apenas tenho dificuldade de me tansportar pela cidade, mas posso tomar banho, comer e dormir no albergue."

De fato, o rapaz, aparentando uns 28 ou 30 anos, era forte e corado, barba feita, cabelos penteados, roupa simples, mas impecável. Não aparentava passar por dificuldades.

"O curso é de pedreiro e assim que terminar, vou imediatamente começar a trabalhar numa empresa que tem parceria com a Prefeitura." explicou ele.

O rapaz prosseguiu.

"-Eu percebo que o senhor é uma pessoa boa e se quiser se negar em atender o meu pedido, não tem problema nenhum, eu vou compreender."

A minha curiosidade foi aumentando proporcionalmente aos indícios que o rapaz me passava de que não havia absolutamente nada de errado com ele. Entretanto, as aparências por vezes enganam. Eu esperava, ansiosamente pelo desfecho. Afinal, qual seria o problema dele? Teria uma doença maligna? Câncer? Seria um HIV soropositivo em fase final de vida? Teria um parente, uma mãe, um irmão, sei lá quem, muito doente no leito de morte e precisando de ajuda? O que seria?

Ele relutou muito em fazer o pedido. Olhava para os lados com medo de que alguém mais ouvisse a conversa. E finalmente falou a que veio.

Realmente, respirei aliviado. Não sei bem ao certo, mas creio que até fiquei meio alegrinho com o que ele me falou com muito temor de que eu ficasse, na verdade, muito bravo com ele.

Desci com ele até a farmácia na avenida e atendi com prazer ao pedido do rapaz. Afinal, ele estava sem nenhum dinheiro e queria apenas que eu lhe comprasse um vidro de shampoo.