terça-feira, 19 de abril de 2011

Morrer de Amor


Entrevistou o marchal Tito, na ex-Iugoslávia.

Cobriu fatos e conflitos em todo o mundo.

Foi correspondente internacional do então poderoso sistema de comunicação de Assis Chateaubriand, passando bom tempo em Nova York fazendo matérias para a Rede Tupi de Televisão.

Teve grande furos de reportagem publicados na revista O Cruzeiro.

Esse, um modesto perfil do meu amigo.

Passando férias em minha pequena cidade natal, encontrei-o, aposentado, na praça da matriz, sentado com amigos num banco da praça.

Zé Carlos era um contador de histórias.

De vasta cultura, homem muito viajado, era uma enciclopédia ambulante e todos gostavam de escutá-lo.

Mas aquela convivência daqueles dias, me deu um outro perfil do homem.

Por trás daquele falante, havia um solitário.

Divorciado, morava só em uma bela casa, muito bem equipada com todo conforto, tinha um bom carro, uma excelente aposentadoria.

Se dava ao luxo até de pagar uma linda e jovem secretária para cuidar de suas coisas.

Um domingo, me convidou para almoçar em um excelente restaurante de uma cidade vizinha. Dar um passeio, explicou.

Naquela época, eu fumava uns dois ou três maços de cigarros por dia e o Zé a toda hora, me pedia para cheirar o meu cigarro.

E cheirava, cheirava, enquanto explicava toda vez: você sabe, meu médico me disse - ou você pára de fumar, ou morre. Preferi o mais razoável, mas rapaz! que vontade que eu sinto! Não passa nunca!


E a gente ria.

Em toda a nossa conversa, acabei sabendo que o meu amigo jornalista tinha uma paixão.

Era uma paixão secreta, que ele não contava prá ninguém.

Ele tinha todo um cuidado em observá-la de longe, pedir a certas pessoas para vigiá-la, contar onde foi, o que fez.

Eu achava muito divertido, um senhor como o Zé Carlos, ter essas atitudes e posturas juvenís.


Ele adorava ouvir Luciano Pavarotti cantar Caruso, que na época , fazia muito sucesso por fazer parte de trilha de novela da TV.

O Zé Carlos ouvia e dizia que um dia, iria ouvir com sua amada, juntinhos...


As minhas férias acabaram, voltei para São Paulo e fiquei afastado uns dois anos.


Aproveitando uma folga e pelo tempo decorrido, resolvi voltar e passar uns dias na casa de meus pais.

Depois de uma noite muito bem dormida, desci até a praça e me alojei confortavelmente num banco, respirando o ar puro da serra e aproveitando a tranquilidade do lugar.

O pessoal foi chegando.

Em determinado momento, perguntei:

gente, alguém sabe do Zé Carlos?

Ao que um respondeu

- você não sabe? Faz quase um ano que ele morreu.


Fiquei pasmo.

Mas o que aconteceu, perguntei curioso.

Ah, ele passou mal e não resistiu. Também, voltou a fumar!


Dei uma desculpa e me afastei, indo para outro lado da praça.

Sentei noutro banco e fiquei matutando, até me tocar que o Zé Carlos havia dado cabo da própria vida. Se ele sabia por orientação médica que sua saúde pioraria gravemente se voltasse a fumar...

Ele era informado o suficiente para não se iludir de que se voltasse a fumar não iria ter sérios problemas. Não, ele não correria esse risco.


Dias depois, veio a confirmação em uma frase lacônica, solta no meio de uma conversa, proveniente de um amigo comum:

Ah, o Zé Carlos não admitia, mas ele era apaixonado pela ex-mulher e ela definitivamente não queria mais saber dele.

Agora, toda vez que ouço Pavarotti cantando Caruso, me lembro do Zé Carlos, que Deus o tenha!