sábado, 12 de setembro de 2009

A Bacia de Jabuticaba



















Contei meu tempo e descobri que terei menos anos para viver daqui para frente do que já vivi até agora. Se for verdade que o tempo médio de vida do brasileiro é de setenta anos, constato com tranqüilidade, que já vivi noventa por cento daquela etapa-limite.

Deste modo, sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia cheia de jabuticabas. As primeiras ele as comeu de forma displicente. Quando se deu pela conta que faltavam poucas, se pôs a saboreá-las mais, roendo até o caroço.

Nesta fase já não tenho paciência para lidar com mediocridades. Desde que me aposentei, há mais de quinze anos, procuro fazer apenas o que gosto; e quando quero. Detesto estar naquelas reuniões onde desfilam egos inchados, beatos incoerentes, parvos gabolas ou invejosos.

Meu tempo para planos megalomaníacos passou. Alguns projetos que propus foram rejeitados por que iriam exigir sacrifícios. Nego-me a participar de conferências ou encontros que estabeleçam resolver a miséria do mundo, nem aceito convites para eventos de fim-de-semana para consertar o mundo e abalar o século.

Causa-me náuseas o conteúdo de certas reuniões, freqüentes e intermináveis, para discutir regulamentos, sexo de anjos e estatutos. Falta-me tempo para administrar melindres de adultos imaturos.

Não vou mais àquelas reuniões em que o “superior geral” traz a pauta pronta e não anota nada, evidenciando que não deseja mudanças. Não perco mais tempo em conclaves molestos, pura “disputa de beleza”, cheios de confrontações, onde querem “tirar fatos a limpo” e acabam em “tudo combinado e nada resolvido”. Detesto “dar força” a desafetos que se desentenderam por causa do majestoso cargo de secretário-geral da banda, ou coisa parecida.

Ocorre muito aquilo que Mario de Andrade denunciou: “As pessoas não debatem conteúdos, apenas rótulos”. Meu tempo se tornou escasso para debater rótulos; ando em busca de essências.

Se for para jogar tempo fora, prefiro passá-lo em casa, conversando, tomando chimarrão, comendo “cebolitos” e até vendo televisão com minha mulher, ou fazendo um churrasquinho esperto com os filhos, ou amigos do peito, em cuja companhia o tempo nunca é perdido.

Já sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana, que saiba rir de seus tropeços, sem se deslumbrar com os triunfos, gente que não se considera eleita ou santa antes da hora. Pessoa que não fuja de sua mortalidade, que mesmo possuindo alguma coisa não se esqueça dos pobres e dos excluídos. Gente, enfim, que procura fazer tudo o que Deus quer.

Viver ao lado de pessoas e valores verdadeiros, desfrutar de um amor absolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo. Esse essencial é que faz a vida valer a pena.



O autor é Filósofo e escritor










Antônio Mesquita Galvão
Publicado no Recanto das Letras em 28/05/2007
Código do texto: T504626

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