quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Hélio e suas mortes


Numa de minhas idas para Campinas, passei pelo mercado da Barão de Jaguara para almoçar. Na saída, dei de cara com o seu Romeu. Nos cumprimentamos e perguntei de Dona Paula e de Helinho.
- A Paula tá bem, mas Helinho faleceu há dois anos, disse seu Romeu.  –Que Deus o tenha. Descansou, respondi. Mandei lembrança à Dona Paula e nos despedimos. A furiosa roda da vida queria nos esmagar, precisávamos nos apressar, cada um em seus afazeres. Mas ao dar as costas ao meu velho amigo, não contive um suspiro de tristeza. Então, Helinho morrera... E caminhando pela calçada da Barão de Jaguara, me sobreveio a lembrança da terrível história daquele rapaz.
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Sou filho de um dos mais competentes gerentes de circo da história recente do Brasil. Meu saudoso pai aos 20 anos de idade passou com o circo pela cidade de minha mãe, ela do alto dos seus 16 anos se apaixonou, casaram-se e antes do meu nascimento já estavam separados. Fui criado por minha mãe. Apesar disso, tive um relacionamento cordial com meu pai e o visitava sempre no circo.  E para eu não ficar ocioso nessas visitas ,ele me punha para trabalhar. Portaria, bilheteria, secretaria. Revelei-me um excelente contato com pessoal de rádio e TV e ele sempre que eu ia ao circo ou o circo passava por  perto de casa, me colocava para contatos desse tipo.  
Em 1978, estava eu em Pouso Alegre, MG. Dono do serviço de alto falante da estação rodoviária da cidade, que então tinha 60 mil habitantes, completava meus rendimentos redigindo os radiojornais da emissora AM local. 
Um belo dia, aparece meu pai na cidade. Me convida para almoçar. E diz que está por estrear o circo em Campinas. Mas a cidade é um cemitério de circos, muito perigosa. Se não estrear bem, será muito ruim, explicou ele. E colocou na mesa uma quantidade de dinheiro que representava o meu faturamento de mais de um ano nas minhas atividades em Pouso Alegre. “-Isto aqui é só um sinal” disse ele. Faremos um cachê semanal parecido com ele. Vc vai trabalhar apenas 8 semanas, fazendo divulgação e contato com rádio, jornal e TV, depois pode voltar.  Meu pai era mesmo bom no que fazia. Não foi um pedido, foi uma ordem. Pedi a um amigo para tomar conta do som na rodoviária, contei a história pedindo uma licença para o dono da rádio e parti, feliz da vida, com o novo bico que se iniciava.
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A pensão no Guanabara ficava ao lado do terreno do circo. A viúva dona Paula, chefiava o estabelecimento, auxiliada por seu segundo marido, o seu Romeu. Nos meus primeiros dias na pensão, permanecia lá só o tempo necessário para dormir. Até que um dia, num domingo, tive uma folga. E permaneci na pensão.
Um rapaz dos seus 30 anos, corte de cabelo à militar, de camiseta e bermudas, sentou-se do meu lado na sala da pensão. Víamos TV. Do nada, ele olhou para mim e disse: “-Os homens estão chegando. Eles vem de Marte.”  Muito compenetrado, levantou-se e saiu. Eu não entendi nada, mas segui vendo TV. Dona Paula, que presenciara a cena de longe, se aproximou de mim rindo e disse baixinho: “-Não liga não. Esse é o meu filho Helinho. Ele tem problema. É assim mesmo. Não dê atenção ao que ele fala.”
E percebi, mesmo, no decorrer do tempo, que realmente, o rapaz só fumava, bebia café o dia inteiro e não falava coisa com coisa.
Um dia, movido pela curiosidade, peguntei a dona Paula se o filho dela tinha nascido daquele jeito.  Não, ela respondeu.  Qualquer dia eu te conto a história do meu filho.
E, não demorou muito para esse dia chegar. Estávamos na varanda, num dia sem movimento, quando dona Paula começou então contar a história de Helinho.
Jovem muito inteligente, Helio tinha um cargo relativamente importante na contabilidade da FEPASA, setor da empresa sediado na capital. Acabara de ter uma promoção, galgando um cargo de chefia.  O jovem era uma grande promessa dentro da empresa. E tinha um grande amor. Fazia planos de casar logo.
Devido às circunstâncias e à responsabilidade ampliada pela promoção, Helinho começou a fazer serões cada vez mais prolongados.
Num sábado, avisou a noiva que ficaria até muito tarde adiantando um serviço e portanto, não compareceria para namorar naquela noite. Mas o coração nos trai mesmo e com o rapaz não foi diferente. Por volta de 9 da noite, sentiu uma vontade muito grande de ver a sua amada. Era muito respeitador, portanto apenas queria passar, dar um beijo e ir embora.
A rua da casa da noiva era próxima ao seu trabalho. Uma rua com arvores de um certo porte, que faziam alguma sombra principalmente à noite. Helinho bateu na casa da amada e foi recebido por alguém da família, que disse que ela teria ido ao cinema.  Ele resolveu esperar. Afinal, seria só um beijo rápido e iria embora em seguida, isso não afrontaria a família da moça.  Colocou-se debaixo de uma árvore, protegido da fraca luz de rua  e esperou. Subito, parou um táxi e ele a reconheceu ao lado do motorista. Pensou em correr para abrir a porta, mas eis que a noiva tascou um beijo cinematográfico no taxista. Ele parou, sem acreditar no que via. E o que se seguou, foi por demais chocante. Transaram dentro do carro, ali mesmo, aproveitando a penumbra da noite.  
Dona Paula contou que Helinho não se deixou ver, voltou para a republica em que morava em São Paulo. No domingo, voltou à casa da noiva, devolveu os presentes e encerrou o noivado.
Algum tempo depois, já em Campinas, durante um derbi Ponte-Guarani, Helinho, na geral do estádio, começa a rasgar a roupa e a gritar o nome da sua amada.  Foi o fim do relacionamento do rapaz com a razão. Nunca mais falou coisa com coisa, nunca mais se recuperou.
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Caminhando pela Barão de  Jaguara, melancolicamente concluo, pensando com os meus botões, depois da notícia que me foi dada por seu Romeu. Na verdade, Helinho morrera muitos anos antes, num certa noite numa rua escura de São Paulo...

Um comentário:

Andrea disse...

Nossa que história! Uma traição mata muito antes do corpo ser enterrado de fato. É uma sobrevida penosa, só se vive para cumprir horário. Pobre Helinho! :(