Numa de minhas idas para
Campinas, passei pelo mercado da Barão de Jaguara para almoçar. Na saída, dei
de cara com o seu Romeu. Nos cumprimentamos e perguntei de Dona Paula e de
Helinho.
- A Paula tá bem, mas Helinho
faleceu há dois anos, disse seu Romeu. –Que
Deus o tenha. Descansou, respondi. Mandei lembrança à Dona Paula e nos
despedimos. A furiosa roda da vida queria nos esmagar, precisávamos nos
apressar, cada um em seus afazeres. Mas ao dar as costas ao meu velho amigo,
não contive um suspiro de tristeza. Então, Helinho morrera... E caminhando pela
calçada da Barão de Jaguara, me sobreveio a lembrança da terrível história daquele
rapaz.
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Sou filho de um dos mais
competentes gerentes de circo da história recente do Brasil. Meu saudoso pai aos 20
anos de idade passou com o circo pela cidade de minha mãe, ela do alto dos seus
16 anos se apaixonou, casaram-se e antes do meu nascimento já estavam
separados. Fui criado por minha mãe. Apesar disso, tive um relacionamento
cordial com meu pai e o visitava sempre no circo. E para eu não ficar ocioso nessas visitas ,ele
me punha para trabalhar. Portaria, bilheteria, secretaria. Revelei-me um
excelente contato com pessoal de rádio e TV e ele sempre que eu ia ao circo ou
o circo passava por perto de casa, me
colocava para contatos desse tipo.
Em 1978, estava eu em Pouso
Alegre, MG. Dono do serviço de alto falante da estação rodoviária da cidade,
que então tinha 60 mil habitantes, completava meus rendimentos redigindo os
radiojornais da emissora AM local.
Um belo dia, aparece meu pai na
cidade. Me convida para almoçar. E diz que está por estrear o circo em
Campinas. Mas a cidade é um cemitério de circos, muito perigosa. Se não estrear
bem, será muito ruim, explicou ele. E colocou na mesa uma quantidade de
dinheiro que representava o meu faturamento de mais de um ano nas minhas
atividades em Pouso Alegre. “-Isto aqui é só um sinal” disse ele. Faremos um
cachê semanal parecido com ele. Vc vai trabalhar apenas 8 semanas, fazendo
divulgação e contato com rádio, jornal e TV, depois pode voltar. Meu pai era mesmo bom no que fazia. Não foi
um pedido, foi uma ordem. Pedi a um amigo para tomar conta do som na
rodoviária, contei a história pedindo uma licença para o dono da rádio e parti,
feliz da vida, com o novo bico que se iniciava.
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A pensão no Guanabara ficava ao
lado do terreno do circo. A viúva dona Paula, chefiava o estabelecimento,
auxiliada por seu segundo marido, o seu Romeu. Nos meus primeiros dias na
pensão, permanecia lá só o tempo necessário para dormir. Até que um dia, num
domingo, tive uma folga. E permaneci na pensão.
Um rapaz dos seus 30 anos, corte
de cabelo à militar, de camiseta e bermudas, sentou-se do meu lado na sala da
pensão. Víamos TV. Do nada, ele olhou para mim e disse: “-Os homens estão
chegando. Eles vem de Marte.” Muito
compenetrado, levantou-se e saiu. Eu não entendi nada, mas segui vendo TV. Dona
Paula, que presenciara a cena de longe, se aproximou de mim rindo e disse
baixinho: “-Não liga não. Esse é o meu filho Helinho. Ele tem problema. É assim
mesmo. Não dê atenção ao que ele fala.”
E percebi, mesmo, no decorrer do
tempo, que realmente, o rapaz só fumava, bebia café o dia inteiro e não falava
coisa com coisa.
Um dia, movido pela curiosidade, peguntei
a dona Paula se o filho dela tinha nascido daquele jeito. Não, ela respondeu. Qualquer dia eu te conto a história do meu
filho.
E, não demorou muito para esse
dia chegar. Estávamos na varanda, num dia sem movimento, quando dona Paula
começou então contar a história de Helinho.
Jovem muito inteligente, Helio
tinha um cargo relativamente importante na contabilidade da FEPASA, setor da
empresa sediado na capital. Acabara de ter uma promoção, galgando um cargo de
chefia. O jovem era uma grande promessa
dentro da empresa. E tinha um grande amor. Fazia planos de casar logo.
Devido às circunstâncias e à responsabilidade
ampliada pela promoção, Helinho começou a fazer serões cada vez mais
prolongados.
Num sábado, avisou a noiva que
ficaria até muito tarde adiantando um serviço e portanto, não compareceria para
namorar naquela noite. Mas o coração nos trai mesmo e com o rapaz não foi
diferente. Por volta de 9 da noite, sentiu uma vontade muito grande de ver a sua
amada. Era muito respeitador, portanto apenas queria passar, dar um beijo e ir
embora.
A rua da casa da noiva era próxima
ao seu trabalho. Uma rua com arvores de um certo porte, que faziam alguma
sombra principalmente à noite. Helinho bateu na casa da amada e foi recebido
por alguém da família, que disse que ela teria ido ao cinema. Ele resolveu esperar. Afinal, seria só um
beijo rápido e iria embora em seguida, isso não afrontaria a família da moça. Colocou-se debaixo de uma árvore, protegido da
fraca luz de rua e esperou. Subito, parou
um táxi e ele a reconheceu ao lado do motorista. Pensou em correr para abrir a
porta, mas eis que a noiva tascou um beijo cinematográfico no taxista. Ele
parou, sem acreditar no que via. E o que se seguou, foi por demais chocante.
Transaram dentro do carro, ali mesmo, aproveitando a penumbra da noite.
Dona Paula contou que Helinho não
se deixou ver, voltou para a republica em que morava em São Paulo. No domingo, voltou à casa da noiva, devolveu
os presentes e encerrou o noivado.
Algum tempo depois, já em Campinas, durante um
derbi Ponte-Guarani, Helinho, na geral do estádio, começa a rasgar a roupa e a
gritar o nome da sua amada. Foi o fim do
relacionamento do rapaz com a razão. Nunca mais falou coisa com coisa, nunca
mais se recuperou.
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Caminhando pela Barão de Jaguara, melancolicamente concluo, pensando
com os meus botões, depois da notícia que me foi dada por seu Romeu. Na
verdade, Helinho morrera muitos anos antes, num certa noite numa rua escura de
São Paulo...
Um comentário:
Nossa que história! Uma traição mata muito antes do corpo ser enterrado de fato. É uma sobrevida penosa, só se vive para cumprir horário. Pobre Helinho! :(
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