Meu pai foi na mosca, quando me visitou. Prevendo minha recusa em vir a Campinas ajudá-lo num trabalho de dois meses que tinha que realizar, na mesa do almoço tirou do bolso um pacote de dinheiro que eu nem mais me lembrava quando tinha visto um igual. Duro e endividado, apesar de trabalhar na Rádio Clube de Pouso Alegre no sul de Minas e ser dono do Serviço de Som da Rodoviária, não tive alternativa. Na época, (1978) a cidade tinha pouco mais de 60 mil habitantes e eu, muitos problemas. Claro que aceitei. Pedi para um amigo "gerenciar" o som e consegui uma licença não remunerada na rádio. Em Campinas, fui morar numa pensão no Guanabara. Era de um casal, Dona Paula e Seu Romeu. Num dos primeiros dias, fiquei um tempo sentado na sala vendo TV. No outro sofá, um homem de seus 30 anos, cabelo cortado à militar, prestava uma atenção danada na televisão. Num intervalo, ele olhou para mim e disse, com ar sério: "- Os homens estão chegando. Cuidado!" Sem entender, perguntei quem estava chegando e ele, fazendo cara de confidência, meio que assoprou: "-Os alienígenas! Os homens do espaço!" Percebi algo estranho, é claro, mas me calei. Dona Paula, que presenciou a conversa, logo que ele saiu da sala me chamou à copa e contou a incrível história desse homem. Era filho dela e se chamava Helio, ou melhor: Helinho. Funcionário da FEPASA, lotado na Capital, até alguns anos atrás. Tinha um bom cargo e acabara de ganhar uma promoção como chefe de um setor da Contabilidade da Empresa. Era bastante inteligente e competente, disse a mãe. Logo em seguida à promoção, ficou noivo. Muito trabalhador, fazia longos serões. Num sábado, avisou a noiva que não iria namorar, porque tinha que adiantar um trabalho até altas horas. Mas por volta de 9 da noite conseguiu terminar e resolveu passar na casa dela, apenas para dar um beijo e ir dormir. Helinho era de uma geração que nutria um grande respeito a tudo. Ao bater, ela não estava. "-Foi ao cinema" explicaram os familiares. Ele deu-se por contente e se despediu. Entretanto, o amor era mais forte e resolveu esperar na rua a noiva chegar do cinema, para lhe dar o tal beijo e ir embora de vez, descansar. Naquele tempo, a iluminação era fraca e havia muitas árvores frondosas na rua. Helinho ficou, discretamente, sob uma dessas árvores. Não demorou muito e a noiva chegou. Estava num táxi. Quando pensou em correr para abrir a porta, eis que percebeu que a moça estava beijando sofregamente o taxista. Hirto de surpresa, ficou sem reação, vendo o beijo evoluir para um coito apaixonado ali mesmo, dentro do carro. Antes do fato consumado, Helinho saiu discretamente e foi embora. No domingo, foi à casa da noiva, entregou a aliança, devolveu os presentes mais caros e encerrou o relacionamento ali mesmo.
Meses depois, em Campinas, num dia de Derbi (Ponte Preta x Guarani) em pleno estádio, Helinho começa a rasgar a própria roupa e a gritar o nome da ex-noiva. Estava rompido o contato do rapaz com a realidade, contato esse nunca mais refeito.
Anos depois de ir embora de Campinas, numa visita aos meus filhos, encontrei seu Romeu no Mercado da Barão de Jaguara. Perguntei de D. Paula. Ia bem. E perguntei de Helinho. Ao que ele respondeu: "- Descansou. Faz alguns meses que Helinho morreu." Apresentei meus sentimentos, me despedi do seu Romeu e fui embora, pensando: "Não, Helinho não morreu agora. Ele morreu naquela noite em São Paulo, naquela rua diante de um táxi." Vida louca!
Nenhum comentário:
Postar um comentário