04 de janeiro de 2010
O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo lamenta informar o falecimento do companheiro Rubens Ferreira Marujo, de 58 anos, ocorrido no dia 1º, por enfisema pulmonar e insuficiência renal, na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Marujo trabalhou em publicações como Diário Popular, Diário do Comércio, Jornalistas&Cia, entre outros. Realizou para o Sindicato dos Jornalistas, como colaborador, um caderno especial sobre os 30 anos da greve de 1979.
Rubens Marujo enfrentou os percalços de jornalistas que, ao perder o emprego, empobreceu a ponto de viver um período como morador de rua. Corajoso, fez o relato desta experiência, que transcrevemos abaixo, publicada na revista do Brasil. Com muita garra, conseguiu retornar ao mercado de trabalho, mas já com a saúde comprometida.
“Entrar num albergue é fácil. Sair é o problema”
Morei no Albergue São Francisco, esquina da rua Santo Amaro com o viaduto Jacareí, bem em frente à Câmara Municipal de São Paulo.
Antes, chamava-se Cirineu e era administrado por uma ONG de quinta categoria, com verba da prefeitura.
Quebrado, sem dinheiro, não conseguia arrumar emprego e fui parar lá.
Éramos mais de 400 pessoas amontoadas num imenso porão-dormitório sujo.
Um depósito de seres humanos, com um cheiro insuportável.
Senhores com mais de 80 anos misturavam-se a jovens alcoólatras, drogados, crianças, mulheres, pessoas com deficiência, tuberculose, aids, alguns ex-presidiários, outros em condicional, nenhum tipo de assistência.
Aquilo se assemelhava a um campo de concentração nazista.
Durante dez anos o albergue funcionou ali – foi desativado por força de um abaixo-assinado de vizinhos.
O “dum-dum” dos veículos ao passar pelas emendas do viaduto martelava nossos ouvidos.
Com raríssimas exceções, os monitores, contratados pela igreja e sem qualificação profissional, nos humilhavam, deixando-nos na fila, debaixo de chuva e frio, à espera da hora de entrar.
Entrava-se após as 17h30 e acordava-se às 5 horas.
Até as 7, todos tinham de ir para a rua, inclusive aos domingos e feriados, fizesse sol ou chuva.
As assistentes sociais explicavam que eram ordens da prefeitura.
Alguns idosos não conseguiam fazer suas necessidades no banheiro.
Sujavam a roupa, a cama, o chão.
Não havia fralda geriátrica.
Para conseguir almoçar era preciso esperar até três horas.
Um papel colado na parede interna do dormitório indicava a dedetização vencida.
Os dormitórios ficavam infestados de baratas e outros insetos, principalmente muquiranas, espécie de piolho que dá no corpo de quem não toma banho, produzindo uma coceira infernal.
Suportávamos as humilhações com medo de represálias: ser cortado e ir para a rua.
Eram filas para entrar, para pegar alguma roupa no bagageiro, para tomar banho (quando os chuveiros funcionavam) e para jantar.
Não adiantava muito tomar banho, porque éramos obrigados a vestir a mesma roupa, que cheirava mal.
Às 5 da manhã, no auge do sono, as luzes do amplo dormitório eram acesas.
Lavava o rosto, escovava os dentes e ia tomar café.
Ficava observando o movimento de homens sujos e maltrapilhos, que geralmente não falavam coisa com coisa.
Muitos usavam muletas ou bengalas, com a perna ou os braços engessados.
Não era difícil adivinhar o motivo: embriaguez seguida de atropelamento.
Pouco antes das 7 horas estava na rua.
Passava na banca mais próxima para ler as manchetes.
Eu era um maloqueiro bem informado.
Quando ainda estava com sono, pegava um ônibus que fazia um roteiro bem longo.
Não foram poucas as vezes em que acordei com o cobrador gritando: “Ponto final, Terminal Santo Amaro. Queira descer, por favor!”
Descia, subia a escada do terminal e pegava o ônibus de volta.
Graças aos meus cabelos brancos eu não pagava passagem.
Duas horas para ir e duas para voltar: quatro a menos na rua.
Aí tentava almoçar.
Depois voltava para a rua.
Tinha de enfrentar a realidade.
O corpo dolorido.
Andava desconjuntado de tanto sentar em superfícies duras.
Quanta saudade de um sofá.
Sentava em um degrau de uma porta qualquer e ficava pensando na vida, no meu passado.
Com tênis furado, calça larga e camiseta suja, me sentia um espantalho.
Numa tarde fazia muito calor.
Entrei num bar e sentei num banquinho.
Pedi um copo de água da torneira e o funcionário respondeu: “Aqui, meu senhor, água da torneira se toma em pé e do outro lado do balcão”.
Sentia uma vontade louca de tomar um cafezinho.
Andava olhando para o chão na esperança de encontrar dinheiro.
Entrar num albergue é fácil.
Sair é o problema.
Tem gente há mais de dez anos nessa vida.
Um dia mandei um e-mail (no centro velho da cidade existem alguns lugares em que se pode acessar a internet) desesperado para um jornalista amigo meu.
Ele sempre me ajudava e pedia para que não perdesse a esperança.
Mas eu estava mal, com princípio de pneumonia, cansado e com a autoestima lá embaixo.
Sem forças.
Eu não acreditava em mais nada e pensava até em abreviar a vida.
Ele repassou o e-mail para outros jornalistas, que no final das contas acabaram me socorrendo com algum dinheiro e algumas roupas e pediram para eu sair de lá.
Providenciaram trabalho, ajuda psicológica, e eu me reintegrei à sociedade.
Mas sou uma exceção.
Comigo aconteceu o que chamo de milagre.
Rubens Marujo enfrentou os percalços de jornalistas que, ao perder o emprego, empobreceu a ponto de viver um período como morador de rua. Corajoso, fez o relato desta experiência, que transcrevemos abaixo, publicada na revista do Brasil. Com muita garra, conseguiu retornar ao mercado de trabalho, mas já com a saúde comprometida.
“Entrar num albergue é fácil. Sair é o problema”
Morei no Albergue São Francisco, esquina da rua Santo Amaro com o viaduto Jacareí, bem em frente à Câmara Municipal de São Paulo.
Antes, chamava-se Cirineu e era administrado por uma ONG de quinta categoria, com verba da prefeitura.
Quebrado, sem dinheiro, não conseguia arrumar emprego e fui parar lá.
Éramos mais de 400 pessoas amontoadas num imenso porão-dormitório sujo.
Um depósito de seres humanos, com um cheiro insuportável.
Senhores com mais de 80 anos misturavam-se a jovens alcoólatras, drogados, crianças, mulheres, pessoas com deficiência, tuberculose, aids, alguns ex-presidiários, outros em condicional, nenhum tipo de assistência.
Aquilo se assemelhava a um campo de concentração nazista.
Durante dez anos o albergue funcionou ali – foi desativado por força de um abaixo-assinado de vizinhos.
O “dum-dum” dos veículos ao passar pelas emendas do viaduto martelava nossos ouvidos.
Com raríssimas exceções, os monitores, contratados pela igreja e sem qualificação profissional, nos humilhavam, deixando-nos na fila, debaixo de chuva e frio, à espera da hora de entrar.
Entrava-se após as 17h30 e acordava-se às 5 horas.
Até as 7, todos tinham de ir para a rua, inclusive aos domingos e feriados, fizesse sol ou chuva.
As assistentes sociais explicavam que eram ordens da prefeitura.
Alguns idosos não conseguiam fazer suas necessidades no banheiro.
Sujavam a roupa, a cama, o chão.
Não havia fralda geriátrica.
Para conseguir almoçar era preciso esperar até três horas.
Um papel colado na parede interna do dormitório indicava a dedetização vencida.
Os dormitórios ficavam infestados de baratas e outros insetos, principalmente muquiranas, espécie de piolho que dá no corpo de quem não toma banho, produzindo uma coceira infernal.
Suportávamos as humilhações com medo de represálias: ser cortado e ir para a rua.
Eram filas para entrar, para pegar alguma roupa no bagageiro, para tomar banho (quando os chuveiros funcionavam) e para jantar.
Não adiantava muito tomar banho, porque éramos obrigados a vestir a mesma roupa, que cheirava mal.
Às 5 da manhã, no auge do sono, as luzes do amplo dormitório eram acesas.
Lavava o rosto, escovava os dentes e ia tomar café.
Ficava observando o movimento de homens sujos e maltrapilhos, que geralmente não falavam coisa com coisa.
Muitos usavam muletas ou bengalas, com a perna ou os braços engessados.
Não era difícil adivinhar o motivo: embriaguez seguida de atropelamento.
Pouco antes das 7 horas estava na rua.
Passava na banca mais próxima para ler as manchetes.
Eu era um maloqueiro bem informado.
Quando ainda estava com sono, pegava um ônibus que fazia um roteiro bem longo.
Não foram poucas as vezes em que acordei com o cobrador gritando: “Ponto final, Terminal Santo Amaro. Queira descer, por favor!”
Descia, subia a escada do terminal e pegava o ônibus de volta.
Graças aos meus cabelos brancos eu não pagava passagem.
Duas horas para ir e duas para voltar: quatro a menos na rua.
Aí tentava almoçar.
Depois voltava para a rua.
Tinha de enfrentar a realidade.
O corpo dolorido.
Andava desconjuntado de tanto sentar em superfícies duras.
Quanta saudade de um sofá.
Sentava em um degrau de uma porta qualquer e ficava pensando na vida, no meu passado.
Com tênis furado, calça larga e camiseta suja, me sentia um espantalho.
Numa tarde fazia muito calor.
Entrei num bar e sentei num banquinho.
Pedi um copo de água da torneira e o funcionário respondeu: “Aqui, meu senhor, água da torneira se toma em pé e do outro lado do balcão”.
Sentia uma vontade louca de tomar um cafezinho.
Andava olhando para o chão na esperança de encontrar dinheiro.
Entrar num albergue é fácil.
Sair é o problema.
Tem gente há mais de dez anos nessa vida.
Um dia mandei um e-mail (no centro velho da cidade existem alguns lugares em que se pode acessar a internet) desesperado para um jornalista amigo meu.
Ele sempre me ajudava e pedia para que não perdesse a esperança.
Mas eu estava mal, com princípio de pneumonia, cansado e com a autoestima lá embaixo.
Sem forças.
Eu não acreditava em mais nada e pensava até em abreviar a vida.
Ele repassou o e-mail para outros jornalistas, que no final das contas acabaram me socorrendo com algum dinheiro e algumas roupas e pediram para eu sair de lá.
Providenciaram trabalho, ajuda psicológica, e eu me reintegrei à sociedade.
Mas sou uma exceção.
Comigo aconteceu o que chamo de milagre.
(fonte: www.sjsp.org.br)
3 comentários:
Jornada comovente. Uma passagem pelo Inferno, no qual todos nós estamos sujeitos a passar um dia dado que vivemos numa sociedade impiedosa.
Cada um tem a sua cruz. Um dia, eu crio coragem como o colega Marujo e conto a minha. Também é de arrepiar. Não é qualquer coisa que faz um homem barbado chorar copiosamente como uma criança. Tem que ser grave. E foi. Mas, a exemplo do Rubens, milagoramente superei os maus bocados e cá estou.
Nesta noite achei este post sobre Rubens Marujo. Estou em estado de choque. Há anos procuro pela família. Era amiga das irmãs e fomos vizinhas. Lembro qdo ele nasceu até ser adolescente qdo mudei de cidade. Por favor, me envie um email marzu2 hotmail. obrigada
Postar um comentário