Um rapaz esquálido, barba por fazer, olhar triste está parado do lado de fora da porta do escritório. Ele fala baixo. Tem uns papéis na mão. Mostra um, todo amarfanhado. Tem uma foto de uma mulher e um texto. O rapaz explica que está à procura da irmã. Desapareceu em Diadema, dia 11. Está preocupado, porque ela "tem problema de cabeça" e não levava agasalho. "-O sr sabe como é. Está chovendo, fazendo frio de noite. Eu tenho medo de que minha irmã esteja passado um mau bocado."
João quer cópias xerox do cartazete formato A4 que traz consigo. No escritório da frente foram generosos e, entendendo que ele é pobre e não pode pagar, deram-lhe uma cópia. Há muitos escritórios no centro. Ele espera conseguir várias cópias até o fim do dia.
Meu velho e combalido coração dói ao ver aquilo. Não tenho irmã, muito menos deficiente mental. Mas imagino como seria se tivesse e ela sumisse um dia. Compro a briga. Digo a ele: "- O senhor se importa em deixar esse original comigo? Aqui no escritório a economia tá braba, não dá para fazer muitos, mas em casa tenho uma impressora, tinta e papel. Posso fazer uns 100 cartazetes desses sem probema, mas só para segunda-feira." Era sexta. Os olhos dele brilharam e esboçou um sorriso. Topou. "- Moro no centro, aqui pertinho e vou fazer os cartazetes para o senhor. "
Meu destempero emocional já se revela de cara. São 3 telefones com 3 nomes de parentes para informações. Já começo fazendo 50 cópias de cada, um telefone por série. Aí eu penso que o João poderia não gostar. Faço mais 150 com os tres telefones juntos. Total, 300 cartazetes. Ligo para avisar que estavam prontos. João não tem fita adesiva para afixar os cartazetes nas ruas de Diadema. Vou à papelaria e compro tres rolos de 50 m de fita adesiva e coloco tudo na pasta. Agora, Maria vai ser encontrada e vai voltar.
Entregue o serviço, esqueço tudo, há muito trabalho a ser feito no escritório. Na semana seguinte, me interno no Hospital para retirar um catéter do rim.
No meio da tarde, a minha filha liga. "-Pai, você não vai acreditar. Eu estou a duas quadras daqui de casa e encontrei a Maria."
- O quê?
- encontrei a Maria, pai. A mulher do cartaz. Ela estava parada na rua aqui perto de casa. Tenho certeza que é ela.
- Não é possível!
- É ela sim.
- Pergunte a ela se o irmão dela se chama João. (momento)
- Pai, ela tá dizendo que um irmão se chama João e o outro Paulo.
- Então pode ser ela mesma. Tem um posto policial aí na esquina. Leva ela até lá e vá até em casa, abra meu computador e verifique os números dos telefones dos familiares, anote e traga para os policiais.
- Tá, pai. Tou indo. Beijo.
- Beijo.
Meia hora depois, a "Maria" está entregue aos policiais e a minha filha volta ao trabalho.
Ela encontrara a mulher que poderia ser a Maria porque fora ao banco fazer um depósito para a firma onde ela trabalha.
No dia seguinte, o João me liga.
"- Seu Pedro, quero agradecer a sua filha por ter encontrado a Maria. Ela já está em casa e está bem."
Meu coração gelou e o queixo caiu. Afinal, essa história está mais para enredo de novela mexicana do que para a realidade.
Absolutamente inverossímil. Mas aconteceu. Parece que alguém do lado de lá percebeu que a pessoa mais interessada na volta de Maria depois dos familiares era eu. Sinceramente. Sem nenhum interesse outro senão o bem estar dela, a quem nunca vi.
Então resolveram que, num conglomerado de 29 municípios com mais de 19 milhões de habitantes, a Maria fosse encontrada no centro de São Paulo, a muitos quilômetros de Diadema e ao lado de minha casa - e para o cúmulo da coincidência, por minha filha. Pois é. Fato verídico, apesar das aparências.
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Seção:
stupor mundi furorem
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